Eu gostaria de falar sobre um tema que é de natureza relativamente abstrata. Trata-se de tirar conclusões a partir de dilemas aparentemente insolúveis, que surgem em fenômenos que podem ser de natureza científica, sociológica, cultural -- o que for.
Portanto, trata-se de uma reflexão sobre a forma como dilemas, do ponto de vista epistemológico, podem ser abordados.
De forma corrente, muitos analistas se prendem à análise dos lados opostos do dilema, mas deixam de prestar atenção nas consequências inelutáveis que eles produzem.
Um exemplo: depois da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha foi obrigada, pelo Tratado de Versalhes, a reembolsar as outras nações pelos danos de guerra. Só que, ao mesmo tempo em que era fisicamente e militarmente forçada a fazer isso, não tinha capacidade econômica para isso. Quais foram as consequências inelutáveis dessa situação? Uma emissão massiva de moeda, que gerou hiperinflação e a desmoralização completa deste povo.
Da mesma forma, hoje a gente vê as negociações entre Trump, Putin, a União Europeia e a Rússia para tentar obter paz na Ucrânia. Enquanto não se chega a um desfecho, a cinta continua estralando no campo de batalha. Portanto, a consequência inevitável do dilema é a morte em massa, tanto de russos quanto de ucranianos.
Então, em vez de focalizar apenas a impossibilidade de se chegar a um acordo entre os termos opostos da contradição, é possível focalizar nas consequências inevitáveis da coisa, o que via de regra nunca acontece, embora isso correponda à forma mais inteligente de abordar fenômenos de natureza dialética.
Fazendo um salto para um nível mais elevado: todo ser humano, ao longo da vida, será desafiado por situações contraditórias que o tracionam ao mesmo tempo em sentidos contrários. Inevitavelmente, cada pessoa, em algum momento da sua existência, vai ter que escolher um caminho -- mesmo que seja o “menos pior”.
Todos, cedo ou tarde, terão que escolher: “guardo o meu braço esquerdo ou guardo o direito?”. É uma experiência comum a todos os mortais, que é um dos significados profundos da Cruz cristã.
Quando o Senhor Jesus diz: “Quem quiser seguir-me, tome a sua cruz e siga-me”, trata-se de uma vocação para todos aqueles que desejam segui-lo: tomar a sua própria cruz, que é feita sob medida para cada um.
Vocês podem ser confrontados, por exemplo, com escolhas entre dinheiro e amor, entre valores e conveniência, e assim por diante. E sempre, sempre, sempre que um ser humano for desafiado por uma situação mutuamente exclusiva -- aquilo que eu chamaria de contradição essencial -- ele terá diante de si duas possibilidades:
-
Elevar-se espiritualmente, enfrentando o desafio;
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Ou a dor provocada pela contradição vai rebaixá-lo, levando-o a um patamar ontológico inferior.
E aí eu deixo vocês fazerem as analogias com os diferentes patamares do Castelo Interior de Santa Teresa de Ávila, com os graus do purgatório, com os diferentes céus -- enfim, há inúmeras referências deste fenônomo na tradição das grandes religiões do mundo.
Essa dialética, discrepância, a tensão entre os sentidos opostos de um problema, são oportunidades que Deus dá para que a pessoa se eleve espiritualmente -- ou, se assim escolher, que ela se acanalhe. Você não vai permanecer no mesmo estado quando for confrontado com esse tipo de situação. E você vai saber disso porque vai doer na sua carne. Você vai ter que escolher: elevar-se espiritualmente ou acanalhar-se. Tertium non datur.
Via de regra as pessoas acabam acanalhando-se.
A dificuldade, ao invés de reforçar o vigor espiritual delas, ao invés de aperfeiçoar sua dignidade, faz o contrário: elas se acabam. Tornam-se seres humanos piores. Degradam-se.
Esse é o significado do que São João diz no Apocalipse: que os justos continuem a se purificar, e os injustos continuem a se sujar. A luz do justo brilha, brilha, brilha até ser perfeita. Ao passo que a luz do injusto -- do ímpio, do homem de Belial -- vai se enfraquecendo, até se apagar completamente, até que a treva pura se instale e consuma a sua substância de imagem de Deus.
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